CHANTE NIGHTZ, O INÍCIO
William Baglione nasceu em maio de 1976 em São Caetano do Sul. Filho de pais primos, cresceu no Parque São Lucas, Zona Leste de São Paulo, período em que o Skate, o Graffiti, a Pixação e a cena Pós-Punk surgiram como manifestações urbanas e de vanguarda ditando o ritmo do comportamento adolescente no fim da Ditadura Militar.
O primeiro contato com a arte foi a partir da criação de uma peça de argila em 1986. Três anos depois começou a escrever poesias marginais em um período de isolamento total. Em 1994 montou uma banda de punk rock com dois amigos e seu irmão Herbert, nunca gravaram um disco.
A fotografia construída por William é mais do que o registro do agora. É a urgência de trazer um pouco daquela atmosfera vivida no final dos anos 80, principalmente o uso das cores neon e a agressividade visual. Também são pilares de suas narrativas a explosão sonora, luzes que ferem os olhos, a propaganda e o cinema underground.
As mulheres fotografadas pelo artista são reflexo dessa cultura subversiva, criando uma personagem complexa, parte de uma ideia fetichista que tem cheiro de poder, felicidade, solidão e melancolia. É um processo investigativo do comportamento humano provocado pelo efeito da música e das cores, do blackout e do despertar dos sonhos, do álcool e da fumaça, da ironia e da malícia e funcionam como um manifesto ao fantástico mundo das redes sociais.
Este universo onírico William chama de Chante Nightz.
INFLUÊNCIA FILMES B
Me inspiro nas produções de filmes B. Essa categoria surge durante a grande depressão norte-americana em 1929 como uma saída de baixo orçamento a ser oferecida nas salas de cinema naquele período.
A partir dos anos 50 essa categoria foi incorporada por produtoras e cinemas menores, utilizando elenco menos badalado e temas apelativos com tendência ao horror.
Para promover a sétima arte foram criados posters de grande impacto visual. Pinturas com base no realismo fantástico com requinte e design. Os artistas criavam pinturas de insetos gigantes, extraterrestres, mulheres em proporções absurdas interagindo com cenários em miniatura. Esse trabalho de baixa tecnologia influencia a cultura pop até hoje.
EATING STARS
Será que o mundo está mudando ou são as pessoas ?
Será que as mídias sociais são resultado desta evolução ?
Quem cresceu antes da era digital tem medo do futuro.
Quem nasceu depois da era analógica tem saudades de um tempo que nunca viveram. Inclusive, existe um fenômeno com um número bem representativo de pessoas da nova geração consumindo produtos de sabor de outras décadas. São séries de TV e streaming, lanchonetes made in brasil e globais, roupas, acessórios, cortes de cabelo, fitas cassete, discos vinil e máquinas fotográficas. Tem uma turma fazendo, vendendo e revelando os próprios filmes. Muitos fazem fanzines independentes e posters em silkscreen.
O Instagram, esta rede social co-criada pelo brasileiro Michel Krieger em 2010, também nasceu com este viés de embalagem vintage na era digital. Existem muitos aplicativos capazes de transformar as fotografias feitas em nossos smartphones em algo que se assemelha ao processo analógico de revelação. A polaroid voltou e a Fuji Instax é uma febre.
Para falar do projeto Eating Stars tive que perceber todas essas nuances vividas entre os anos 80 e o período presente.
Quando cubro a pele feminina ou coloco em suas bocas um pouco de confeitos de cupcake, não estou resumindo uma imagem em um momento erotizado com um pouco de estranheza. A ideia que constrói este projeto vai além, pois traz um pouco desta dependência digital. É fácil entender porque os chamados likes têm a forma de um coração e existem contadores para tudo, de seguidores a número de interações com o conteúdo. Este formato foi desenvolvido para causar dependência física e emocional. Em resumo, antes de que você consiga qualquer dinheiro com isso é importante refletir de que somos tratados como usuários, simples assim.
Os confeitos de cupcake que uso nas fotografias são os mesmos encontrados em eventos sociais de verdade e quando insiro este elemento barato sobre as modelos isto nada mais é do que um símbolo adoçado com muita ironia.
SILENT LOVE
Silent Love é um projeto que comecei em 2014 na cidade de La Rochelle, na França. A ideia inicialmente foi usar a minha própria mão interagindo com manequins. O estilo da fotografia era P.O.V. (point of view) em alusão aos filmes da indústria pornô e ao endurecimento dos relacionamentos por conta das redes sociais. Por ter uma mão grande e com dedos tortos, minha mão era um elemento estranho na composição da cena. Às vezes é estranho até demais.
O projeto fotográfico foi se transformando e desta forma, ficando mais interessante. Inclui bichos de pelúcia e animais de plástico interagindo com as mulheres em um clima for fun, cem por cento Nonsense, totalmente Chante Nightz.
Parte do que ofereço para o mundo vem do improviso e da baixa tecnologia dando vida a algo que poderia ser desprezível para o adulto, porém na nossa intimidade manifestamos amor e desenvolvemos uma relação íntima com coisas, ora falando sobre fantasia, ora falando sobre solidão e tédio. Silent Love representa isto, os amores não correspondidos ou em outras palavras, aquele amor platônico, frio, indiferente.
COFFEE OR CIGARETTES
Nos anos 80 a cultura do cigarro teve grande impacto na publicidade e no cinema. Era um símbolo de virilidade representado pelo cowboy da Marlboro enquanto que com Hollywood os criativos das agências faziam referência aos esportes no melhor estilo garoto california dreams. Meu pai fumava 3 maços por dia desse maço vermelhinho e se quer chutava uma bola. Talvez por conta disto eu nunca tive interesse em fumar. Preferi ser o cara do café, ficar na mesa da cozinha rodeado de pessoas da família e escutar suas histórias. Reparem como isto é mágico, basta uma pausa para um café e alguém te conta um segredo. Nos dias de hoje alguns segredos valem mais do que dinheiro e por conta disto na minha opnião, assim como o petróleo, o café é uma espécie de ouro negro.
Comecei a fotografar amigos fumando e tomando café porque ambos representam sentimentos distintos no imaginário coletivo. Sensualidade, egoísmo, poder, solidão. Esses são os pontos, somados a ironia e a performance que me interessam na busca para capturar uma imagem.
Em resumo, a fotografia que apresento nesta série especial "Coffee or Cigarettes" não é um trabalho inspirado, como já ouvi muito dizer, na obra cinematográfica de 2003 "Coffee and Cigarettes" do diretor Jim Jarmusch. Trata-se de uma forma que encontrei de homenagear e dialogar com o meu pai para o resto de minha vida.
KISS KISS BANG BANG
Cresci assistindo Spaghetti Western e séries japonesas de ficção científica. Eu queria ser o Django, Ultraseven e o Dr. Gori, todos ao mesmo tempo. Para brincar nas ruas não era necessário nada mais do que a imaginação para se divertir.
Nas séries japonesas para criar um universo fantástico existia uma sofisticação de narrativa misturados à isopor, maquetes e foguetes presos por fios de nylon. Já as fantasias não tinham ligação alguma com nada conhecido na natureza.
A banda de Psychobilly, The Cramps, gravou em 1990 a música "Bikini Girls With Machine Guns". Russ Myer, diretor americano de cinema, conhecido por usar humor exagerado e mulheres com seios grandes como protagonistas, gravou em 1965 "Faster, Pussycat! Kill! Kill!". Décadas seguintes, mais precisamente em 2007, Robert Rodriguez e Quentin Tarantino fizeram o filme "Planeta Terror" onde uma das principais cenas do longa-metragem a personagem Cherry Darling tem uma das pernas amputadas. Cherry estando em perigo encaixa uma metralhadora no ferimento para acabar com seus inimigos. Faz sentido ? Definitivamente não. E porque deveria fazer sentido se estamos falando de entretenimento ?
Quando trabalho na criação instintiva da série "Kiss Kiss Bang Bang" é inevitável não pensar nas referências da indústria da propaganda russa, na música de garagem, no cinema trash de ficção científica e em elementos da cultura pop.
Os acessórios são objetos de plástico que ganham mais significado na mão de mulheres que transmitem mais força e personalidade em contraste a ensaios sensuais mais delicados, que no imaginário popular enxerga a mulher como vulnerável. "Kiss Kiss Bang Bang" traz, com explosão de cores e em outros momentos ausência de luz, a interpretação de personagens com seus sonhos, conflitos pessoais, injustiças e violência de toda natureza sobre sua condição na sociedade.
IDENTIDADE CHANTE NIGHTZ
No início, em 2012, a estética Chante Nightz nascia com conceitos da cultura pop. Herbert Baglione, desenhou uma boca feminina mordendo suavemente parte dos lábios e com variações de cores inspiradas na década de 80. Era um logotipo já reinterpretado à exaustão mundo afora. Foram 10 anos sob esta embalagem e era hora de mudar.
Para recriar a nova identidade visual foram necessárias semanas de reflexão até chegar em uma ideia que tivesse mais força para dialogar com o mundo Chante Nightz. Sensualidade, café, cigarros, música e combinação de cores também inspiradas nos anos 80 são inegociáveis, este era o briefing. William imaginou somar a estes elementos as identidades da banda de psychobilly The Cramps com a marca de cigarros belga Tigra.
The Cramps é uma banda norte-americana que iniciou carreira em 1976 com músicas que tratavam de temas como filmes-B de horror, fetichismo e faziam apresentações bastante teatrais. As capas de seus discos são verdadeiras obras kitsch.
A marca de cigarros belga Tigra possui também um forte apelo visual com o uso de retratos e ilustrações de uma modelo misteriosa vestida de tigre. A mulher por trás da personagem é Angelina Saey, nascida na cidade da Antuérpia em 1933. Depois de assinar este trabalho ela tornou-se um símbolo sexual em seu país.
FOTÓGRAFO E CURADOR
Envolvido com arte desde 1994, William Baglione foi fundador do coletivo de artistas Famiglia (2005 - 2012), administrando a carreira de oito proeminentes artistas em exposições, obras para colecionadores e trabalhos publicitários, dentro e fora do país. Foi responsável por exposições feitas em centros culturais e galerias nos Estados Unidos, França, Inglaterra, Itália e Rússia, bem como collabs com marcas nacionais e globais.
Foi curador da edição dedicada à arte brasileira da revista Juxtapoz, a bíblia da cultura urbana nos Estados Unidos. Também foi curador de eventos realizados pela Embaixada do Brasil em Moscou e em Londres, levando artistas brasileiros para representar o país nas capitais. No início de 2013, William Baglione foi co-curador da exposição SOS Racisme, com cunho beneficente, realizada no Palais de Tokyo, em Paris.
Entre os anos de 2013 e 2014 prestou consultoria para o documentário South American Cho-Low em conjunto com a jornalista norte americano Phuong-Cac. O documentário rodou alguns dos principais festivais nos Estados Unidos e figurou em matéria especial sobre o tema no jornal New York Times.
Em Maio de 2017 assumiu a curadoria do projeto Street River em Belém do Pará levando arte , água potável e energia solar para os povos ribeirinhos. O documentário, com produção e direção da TILT Records, realizado a partir desta primeira curadoria, foi transmitido de forma inédita durante a realização do maior festival de Street Art do Leste Europeu, Vulica Brazil na BieloRussia, organizado pela Embaixada Brasileira local. A produção ganhou prêmio em festival no principado de Mônaco.
Além do trabalho realizado no âmbito da curadoria, há 10 anos Baglione é fotógrafo com trabalhos autorais expostos em cidades da França, Estados Unidos, Itália e Brasil.